domingo, 29 de janeiro de 2012

Desce e sobe ladeira no tun, tun do Zé Pereira

escrito por Anderson Pereira dos Santos

O Bloco Zé Pereira que faz parte do carnaval de Neópolis, localizada a 121 km de Aracaju capital de Sergipe, é o mais famoso bloco de rua do Estado. Hoje, o carnaval da cidade é muito diferente do que havia, por exemplo, há setenta anos atrás. Na época o carnaval era o Bloco Zé Pereira. Ou seja, o carnaval era comemorado com a saída desce bloco em apenas um único dia. Antes, disso havia praticamente dois blocos. O primeiro bloco que era organizado por Manoelzinho, uma pessoa que tomava conta das bancas da feira local, também conhecido como “Bem-te-vi”, já falecido, tinha a característica de ser um bloco da população mais carente. O outro bloco que tinha na figura do finado José Elias (“Zé Elias” grande comerciante da cidade) era um bloco para pessoas mais abastadas. Os dois blocos possuíam uma espécie de taxa. Os brincantes deveriam contribuir com uma determinada quantia para os organizadores dos blocos se quisessem participar. No Bar de Zé Elias (que ficava em frente da atual agência dos Correios da cidade) acontecia no seu interior à festança do seu bloco. Na área da antiga Praça General Oliveira Valadão havia nitidamente uma separação social e de gênero muito forte. No palanque montado para a festa ficava a bandinha de música que animava os participantes. Já do lado de fora do Bar ficava a festa a cargo do Bloco do Bem-te-vi, que era cercado com cordas para preservar os brincantes. Enfim, brincar o carnaval não era tão democrático como se é hoje em dia. Os músicos que eram de fora da cidade cantavam as músicas de cada bloco. As músicas que faziam à animação eram músicas de versos longos e de assuntos do cotidiano da cidade, tais como: “Bem-te-vi to cantando, bem-te-vi ta anunciando...”, “A Mulher do padeiro”, e “A Mulher do Leiteiro”. Além da música, havia o lança perfume, o confete e a serpentina que decorava e animava os foliões e as ruas da cidade. O carnaval de rua deste período era festejado em um único dia (o Sábado de carnaval). No Sábado pela manhã o Rei Momo e o Bloco Zé Pereira saía pelas ruas da cidade, a participação neste bloco era exclusivo só para os homens. No “Domingo de Entulho” como era chamado o domingo de carnaval havia a brincadeira de molhar as pessoas com água, e o mela-mela com lama. No mesmo dia a tarde tinha uma passeata só com as mulheres, todas vestidas com fantasias enormes e luxuosas. Os homens acompanhavam atrás desta passeata as suas mulheres e paqueras. A duração desta passeata era das 15h00min até as 22h00min. O carnaval era uma festividade para as famílias da cidade. A partir das 22h as mulheres que ainda brincavam eram as que tinham a vida noturna.
O Bloco Zé Pereira veio primeiro do que as festividades do carnaval. O carnaval deixou de ser uma festa de alguns, e ganhou a popularidade nas ruas de Neópolis. Outrora já havia um percurso para o Zé Pereira desfilar pelas ruas da cidade. Mesmo com a preservação do carnaval de rua, a festa em Neópolis passou por transformações que acompanharam o contexto nacional. Hoje, há uma grande mistura de ritmo. Não é mais exclusividade no repertório das bandas do Bloco Zé Pereira, as clássicas marchinhas como: “Na casa de Irene todos os dias, tem gente que chega tem gente que sai...”, ou, “Eu mato, eu mato, quem roubou minha cueca pra fazer pano de prato...”, ou ainda, “Jardineira por que estás tão triste...”, ou a famosa; “Amélia é uma mulher de verdade...”. Estas dividem a preferência dos foliões com os grandes sucessos da música baiana, e que contagiam e estimulam o desce e sobe ladeira ao som do Zé Pereira. No embalo do ritmo do frevo arranjos musicais de músicas conhecidas em âmbito nacional como: “E vai rolar a festa, vai rolar o povo do gueto, mandou a visar...”, ou “Poeira, poeira, poeira levantou poeira...”, cantadas por Ivete Sangalo, e “Quebra é, quebra é, olha o Asa é...” cantada pelo grupo Asa de Águia, ou ainda, “Vixe-mainha, ô neguinha tudo é tão bom...”, interpretada pela Banda Vixe-Mainha e outras.
Em Neópolis, o carnaval atravessou por períodos da história brasileira importantes como a ditadura militar (1964-1985), e a redemocratização do país (1985). Nos fins dos anos oitenta, na onda do Axé Music a festa teve o seu maior auge à noite com os trios elétricos e os blocos alternativos que se apresentavam na Praça General Oliveira Valadão. Os grupos musicais da cidade tinham a oportunidade de se apresentarem durante a festa carnavalesca, assim divulgando a cultura local e seu trabalho. Nos anos noventa deixaram-se os grandes trios elétricos de lado, e partiu-se para estrutura de palcos. Com os palcos, há uma tentativa de organização maior da festa por parte dos órgãos públicos. E os principais alvos desta organização foram vendedores ambulantes de cerveja, doces, comidas e drinques que são enquadrados nesta política de estruturação. Logo, o carnaval de Neópolis começou a ganhar status de grande festa carnavalesca, e consigo o slogan da capital sergipana do frevo. Por essa época, o Bloco Zé Pereira assumiu a identidade do carnaval de Neópolis. Ainda na década de noventa, havia também, a participação dos mascarados os chamados “bobos” ou “caretas”. As “caretas” eram pessoas que se vestiam com roupas similares as dos palhaços. Havia “caretas” que se vestiam com roupas as quais mais pareciam morcegos. Os “bobos” cobriam totalmente o corpo com as suas roupas estampadas, e o rosto com máscaras de pano ou borracha. É bem verdade, que o fato de se esconderem por trás de máscaras facilitava pequenos furtos e agressões. Assim, tais incidentes acarretaram a proibição durante o carnaval dessas “caretas”.
O Bloco Zé Pereira não se sabe ao certo quando surgiu e desfilou pela primeira vez. O fato é que, o Bloco é do povo, é da cidade, é um patrimônio cultural dos foliões da terra. Se no começo era uma banda com alguns músicos, hoje, o Bloco conta com inúmeras bandas de frevo ao longo de sua extensão. É o maior bloco de rua do Estado. Com cerca de 10.000 a 20.000 mil pessoas se espremendo nas ruas estreitas da cidade, sofrendo o calor do sol em pleno verão, ninguém arreda o pé da folia e da brincadeira do mela-mela. Este chegou aos dias atuais com uma forte tradição e divulgação nos estados vizinhos de Alagoas e Bahia, chegando à festa ser conhecida nacional e internacionalmente, com a ajuda de telejornais e da internet.
A abertura do carnaval se dá quase sempre com a entrega da chave da cidade para o Rei Momo e a rainha do carnaval, que recebem a chave das mãos do prefeito e discursam abrindo oficialmente as festividades da cidade. Hoje em dia, a concentração do Bloco Zé Pereira é na praça principal da Cidade ou a Praça da Igreja como ela é conhecida. O percurso do bloco passa pelas principais ruas e culmina com a sua chegada na atual praça de eventos da orla. Paralelo ao grande bloco carnavalesco tem-se a presença de outros blocos pequenos que se incorporam a folia. Estes pequenos blocos são muito diversificados em sua composição, criatividade e participação. Alguns blocos só participam mulheres, outros apenas homens, outros ainda têm exclusividade de crianças, há ainda alguns foliões homens que se fantasiam de mulheres, super-heróis, artistas famosos, personagens de desenhos, da TV; e etc. Enfim, a imaginação e a liberdade na festa são a sua grande característica. O Zé Pereira além de ser composto por várias bandas de frevo que animam seus brincantes, tem a contribuição de bonecos gigantes. Estes bonecos gigantes e as fantasias dos foliões dão ao Bloco a peculiaridade da irreverência. A principal marca do carnaval de rua de Neópolis é o mela-mela entre os foliões. Acredita-se que a origem do mela-mela tenha surgido através de uma brincadeira que alguns moradores da cidade fizeram durante a chegada do Zé Pereira no antigo centro comercial. Depois de terem dançando ao som do frevo, e mortos de cansaço, os brincantes começaram a melar uns aos outros com lama. Após, serem melados estes iam até o Rio São Francisco se banhar e limpar. A brincadeira deixou de ser ao final do Bloco e passou a ser feita durante o percurso com farinha de trigo e talco. É claro, que o confete e a serpentina não deixaram de serem utilizados. No entanto, os moradores acrescentam à farinha, o talco, o ki-suco e a água bem gelada. A brincadeira que era uma forma de extravasar ao final do bloco acabou se difundindo e sendo uma característica deste.
As características iniciais que marcaram o carnaval de Neópolis são ao longo dos anos reconfiguradas as condições da cidade. Os moradores muito acolhedores oferecem as suas casas para que turistas da capital, e de outros lugares permaneçam na cidade durante os dias de festa. Os moradores vivem em função deste grande evento. Contam os dias para a chegada do carnaval, que começa já durante o mês de janeiro numa espécie de previas do Bloco Zé Pereira. É nos fins de semana que o Bloco agita a vida da cidade. A cidade praticamente vive em função do carnaval. É para os moradores uma oportunidade de ganhar uma renda extra com o aluguel dos imóveis.
A programação do carnaval abrange quase uma semana. Durante o dia a animação fica por conta do Zé Pereira e o mela-mela que já é tradicional deste bloco. Além disso, nas ruas por onde o Zé Pereira passa os moradores e turistas se divertem ao som de diversos gêneros musicais. Já à noite no palco da orla a festa é animada por grupos que congregam diferentes estilos tais como o pagode, axé, samba e etc. Quando o grande bloco chega à praça de eventos da orla já a tardezinha, os foliões têm as oposições de ficarem na chamada “manhã de sol” ou “matinê”, ou se banharem nas águas do Rio São Francisco. A noite não tem o mela-mela, a não ser no último dia do carnaval, isto já na madrugada da quarta-feira de cinzas na qual se realiza o último Zé Pereira e a despedida do carnaval.
No trajeto do Zé Pereira há a presença de caminhões pipas para refrescar os foliões e amenizar a sujeira provocada pelo mela-mela. É bem verdade, que alguns vão para o carnaval com intuito de serem melados, extravasar na fantasia e no ritmo puxado do frevo, diferenciais da festa. Portanto, o ambiente original e específico da cidade oferece a sergipanos, alagoanos, pernambucanos e baianos uma alternativa interessante e barata de curtir de forma similar o famoso carnaval de Recife-Olinda (que tem no frevo a sua marca), e Salvador (que possuí o axé e o pagode como característico), com segurança e tranqüilidade. O sobe e desce ladeira marcam o folião de primeira viajem. É nas ruas estreitas da cidade ao som do Zé Pereira, que surgem muitos amores de carnaval. Estes que quase sempre acabam na quarta-feira de cinzas deixam na memória dos ficantes cenários e momentos inesquecíveis. Os jovens acabam curtindo o carnaval de forma muito liberal. Uma das maiores diferenças para os carnavais de setenta anos atrás é justamente a paquera liberada. O beija-beija, a troca de telefones, as juras de amor e a promessa de reencontro alimentam a esperança de muitas garotas e garotos. O amor de carnaval que surge na folia e acaba no dia seguinte, é um atrativo a mais.
Desta forma, o carnaval de Neópolis da década de 1930 era caracterizado por ser uma festa que não tinha nada de popular. Os blocos particulares restringiam a participação da população mais pobre. Os namoros eram um tanto velados, e as músicas contavam os causos da vida cotidiana. Agora, o carnaval é uma festa popular aonde todos os segmentos sociais participam. A paquera acompanhou a mudança das gerações e se tornou um atrativo interessante para os jovens. Além disso, o carnaval se tornou um encanto turístico importante para cidade, fonte de renda e divulgação cultural dos neopolitanos.


A CAPITAL DO FREVO